As Viagens de Paulo
3 min readDec 15, 2021

Drão

Sabe Gabriela, quando eu descobri que Gil havia escrito Drão por conta do sua separação com Sandra (Sandrão) sua ex-mulher eu fiquei maluco.

Drão, o amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar

Você sabe como eu sou um apaixonado pelas palavras, pelo encadeamento que elas formam em verso, pela cadência que ganham em estrofe e pela magia quando se tornam poesia. Eu não sou genial como Gil, tampouco tenho talento pra muita coisa,as veja a grandeza desses versos. Imagine a mim, no alto dos seus 17 anos olhando pra esse amor e pensando: como pode germinar aquilo que morreu?

Talvez eu só não soubesse o que era o amor.

Eu não conseguia conceber a ideia de que após o fim ainda restaria algo grandioso, belo, quem sabe até justo.

Talvez eu só não soubesse o que era o amor.

Eu amo de muitas formas, você sabe disso. Eu amo a forma como as crianças fazem bagunça, e me empurram, quando pegam o ônibus, eu amo o desenho das nuvens, eu amo os cachorros mais feios, eu amo pelos motivos certos, eu amo pelos motivos errados, mas eu não sabia como era amar Drão como a amava Gil.

Eu não sabia.

Quem poderá fazer aquele amor morrer
Se o amor é como um grão?
Morre e nasce trigo
Vive e morre pão

Eu queria ser gênio como Gil e te entregar versos como esses. Eu queria ter essa destreza com as palavras, eu queria ter um violão a mão e a canção vir surgindo, mas eu não tenho nada disso. Eu sei tropeçar melhor que caminhar, é um mistério da espécie o fato de eu ter sobrevivido até agora depois de colocar a vida em risco tantas vezes e de maneiras tão absurdas, eu sou um estabanado. Por onde passo derrubo os pratos, arrasto o banco, levanto o tapete e sei escrever melhor do que falar. E por isso, ainda que não seja como Gilberto, não me há escapatória senão escrever.

Contigo vivi o melhor que já fui, e tenho me esforçado para me reencontrar. Contigo fui alegre, contigo fui destemido, contigo enfrentei cartórios e seus formulários com labaredas, com você fui onde nunca imaginei. Sinto uma saudade da alegria de descobrir o mundo ao seu lado imensa, mas o grão já não é mais trigo.

Não esperava dizer adeus, ainda que soubesse que relações terminam. Também não esperava que tudo se desse como se deu, mas há de reconhecermos que é necessário que nem todo o amor do mundo é suficiente para sustentar uma relação. E parece que não temos mais as ferramentas para a manutenção da nossa. E, assim disse Eduardo, ferramenta é fundamental.

Não pense nisso como um adeus. O que vivemos foi, e sempre será, grandioso. Fomos e vivemos uma história que ninguém porderá questionar. Conquistamos o mundo, fomos além quando ninguém acreditava. Contudo, parece ter chegado a hora da parada.

Seria mais fácil se eu te odiasse. Seria mais fácil se eu tivesse mais ressentimentos do que lembranças felizes, seria mais fácil se eu quisesse cantar em verso o teu mal, mas pra mim isso é impossível.

Desejo que você encontre tudo que procura. Desejo manhãs felizes após noites de sono profundo, desejo que você ainda vibre com as cores como quando te conheci. Espero que tua estrada seja sempre iluminada pela luz que você mesmo carrega e que você saiba entendê-la e aceitá-la. Muita gente no mundo vai contentar-se com a mediocridade, você não precisa ser uma delas. Você é grande, eu sei disso. E um dia você também vai entender.

Partir é duro.

Mas partir também é dividir e assim que quero pensar nesse fim. Você não me leva parte, você dividiu comigo o que pode e eu te ofereci o melhor que poderia te dar. Não é o fim. É, e que assim seja, um recomeço. Por você sinto um amor profundo, como as raízes do Jequitibá.

Com amor.

PS. Foi sem querer que me cantaram Açúcar e Adoçante? E acho que ela combina mais conosco do que Drão, mas eu sou um senhor e fiquei com a alegoria do Gil. Lembrei do nosso primeiro show.