As Viagens de Paulo
2 min readDec 8, 2021

Confissões I

Tenho horror à martírio.

Horror.

Confesso que sempre ficava intrigado com as imagens de dor e sofrimento que são carregadas em procissões, eu mesmo não compreendo como a palavra de um mártir contra os martírios da humanidade possam tem se prendido tanto à forma do que ao conteúdo. Se bem que sendo forma conteúdo, devem gostar mais de calvário do que de conciliação os homens.

Nunca tive vontade de virar nome de rua, jamais sonhei com homenagens póstumas, biografia depois de morto, filme passando em aula de história pra turma da segunda série, eu tenho pavor da relação existente entre nós de como devemos tratar as pessoas, em sua maior parte só reverenciada depois de sua morte.

Confesso que gostaria da aurora em vida. E não desejo o reconhecimento desses que chegam ao estrelato milionário, não que um iate não me fosse cair bem, mas confesso: ainda sonho com os dias em que os louros me serão atirados, ou mesmo a estrelinha na testa colada com a saliva de minha professora.

Só não sei em que. Inquietante pensar que minha geração de gente frustada está na casa dos 30 tentando entender a razão de suas vidas, olha até entre as bens estabelecidas, não estar fazendo grande sentido.

Comunicação, Relações Internacionais, Economia, Engenharia, Filosofia, Direito, Química, História, Música, tudo um bando de formação de um mundo que não existe mais e só fui buscando um caso em cada memória de diálogo recente com gente que nem eu, frustrado.

É a carreira que decola e estaciona, que nunca decola, que não dá emprego, que paga bem mas não realiza, que realiza mas não paga nada, é um sem fim de possibilidades que juntas, ou separadas, acabam no mesmo oceano de gente infeliz com as suas escolhas. Quando topo com um realizado e feliz, simplesmente desconsidero em minha estatística que é certificada pelas vozes de minha cabeça.

Me disseram que essa porcaria tem um nome, que as pessoas sacaram que suas vidas são infelizes e desinteressantes e estão por aí, largando CLT pra viver de garçom em Moreré, eu acho isso tudo um saco.

Sonho com o dia que o circo vai passar embaixo da minha janela e eu vou embora pra ser a mulher barbade, atracão de um novo tempo de um espetáculo de novas novidades.

Você já viu circo andando por aí no Rio de Janeiro?

Geração frustrada que nada faz, pra nenhum lugar anda. Pasta no trabalho, rumina as emoções, defeca infelicidade. Dorme em cima da própria bosta e nada faz, como nunca fez.

Tenho horror à mediocridade… acho que é uma característica dos mártires. E eu já disse, que do martírio nada me interessa.