Barco

As Viagens de Paulo
2 min readJul 6, 2022

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Vela erguida, ouço o barulho das correntes sendo içadas. Esplêndido, deixa a terra como uma lenda. Histórias contadas, outras tantas vividas, encantamento. Quantos não são os caminhos daquele que deixa o porto, proa aponta, popa entrega: a hora da partida já passou.

Te olho ao largo, ao longo se perde o olhar dos olhos que marejam.

A popa entrega: a hora da partida já passou.

O noroeste passa, agita meus cabelos, empurra o corpo, abafa, esquenta, umedece. O marulhar agitado é prenúncio, mas você segue singrando, cortando o horizonte, perdendo-se no ponto de fuga de meus pensamentos.

Em que porto vais encontrar destino depois de ter partido?

Te olho ao largo, ao longo se perdem os olhos marejados que encontram fuga num ponto perdido.

É chuva que chega.

Quando sinto no corpo o impacto das gotas não vejo mais. Fecho os olhos para não perder a lembrança do teu abraço, laço que me envolveu da cabeça aos pensamentos, sinto o vento empurrar mais uma vez.

É noite que cai.

Quando o púrpura deu lugar ao negro da noite senti as primeiras raízes. Poderia dizer que das minhas orelhas já saíam galhos, mas isso viu quem apareceu no amanhecer para levantar o dia. Por dentro de um par de chinelos surgia uma árvore nova, mas de aparência antiga. Ninguém podia muito bem entender, ou nem mesmo explicar como aquela árvore crescera da noite pro dia.

Volta o noroeste, o prenúncio de mal tempo. Espalho minhas folhas nas espumas que beijam a areia ao sabor das ondas e da força do vento. Plantado ao pé da praia do porto de onde nunca mais saí depois que você se foi.

Quem sabe um dia eu não viro barco.

Rio de Janeiro, verão 2021/22

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